Carlos Drummond de Andrade

Postado por Rita de Cássia ligado mar 19, 2011 em Masculinas, Personalidades | 0 Comentários

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Adianto aos meus leitores que as personalidades masculinas aqui presentes não terão cunho analítico e crítico de qualquer natureza.

Pretendemos levar ao conhecimento dos leitores imagem de personalidades que revelem suas participações em vários segmentos da nossa sociedade, de valores reconhecidos e até mesmo inéditos. Desse modo, serão apresentadas figuras do presente e do passado.

Após a Personalidade do Presente, passo à do Passado. Não de um passado remoto, senão de um passado recente: o cantor do “sentimento do mundo”.

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.

Não só poeta, também cronista foi DRUMMOND. Inicio esta apresentação, com uma crônica de despedida da cronicidade desse brilhante literato, escrita no JORNAL DO BRASIL, em 29 de setembro de 1984:

CIAO

“Há 64 anos, um adolescente fascinado por papel impresso notou que, no andar térreo do prédio onde morava, um placar exibia a cada manhã a primeira página de um jornal modestíssimo, porém jornal. Não teve dúvida. Entrou e ofereceu seus serviços ao diretor, que era, sozinho, todo o pessoal da redação. O homem olhou-o, cético, e perguntou:

— Sobre que pretende escrever?

— Sobre tudo. Cinema, literatura, vida urbana, mora, coisas deste mundo e de qualquer outro possível.

O diretor, ao perceber que alguém, mesmo inepto, se dispunha a fazer o jornal para ele, praticamente de graça, topou. Nasceu aí, na velha Belo Horizonte dos anos 20, um cronista que ainda hoje, com a graça de Deus e com ou sem assunto, comete as suas croniquices.

Comete é tempo errado de verbo. Melhor dizer: cometia. Pois chegou o momento desse contumaz rabiscador de letras pendurar as chuteiras (que na prática jamais calçou) e dizer aos leitores um ciao — adeus sem melancolia mas oportuno.

Creio que ele pode gabar-se de possuir um título não disputado por ninguém: o de mais velho cronista brasileiro. Assistiu, sentado e escrevendo, ao desfile de onze presidentes da República, mais ou menos eleitos (seno um, bisado), sem contar as altas patentes militares que se atribuíram esse título. Viu de longe, mas de coração arfante, a 2ª Guerra Mundial, acompanhou a industrialização do Brasil, os movimentos populares frustrados mas renascidos, os ismos de vanguarda que ambicionavam reformular para sempre o conceito universal de poesia: anotou as catástrofes, a Lua visitada, as mulheres lutando para serem entendidas pelos homens; as pequenas alegrias do cotidiano, abertas a qualquer um e que são certamente as melhores. Viu tudo isso, ora sorrindo ora zangado, pois a zanga tem seu lugar mesmo nos temperamentos mais aguados. Procurou extrair de cada coisa, não uma liça, mas um traço que comovesse ou distraísse o leitor, fazendo-o sorrir, se não do acontecimento, pelo menos do próprio cronista, que às vezes se torna cronista do seu umbigo, ironizando-se a si mesmo antes que outros o façam.

Crônica tem essa vantagem: não obriga ao paletó-e-gravata do editorialista, forçado a definir uma posição correta diante dos problemas; não exige de quem a fez o nervosismo saltitante do repórter, responsável pela apuração do fato na hora mesma em que ele acontece; dispensa a especialização suada em economia, finanças, política nacional e internacional, esporte, religião e o mais que imaginar se possa. Sei que existem o cronista político, o esportivo, o religioso, o econômico, etc, mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. Não se exige do cronista geral a informação ou o comentário precisos que cobramos dos outros. O que lhe pedimos é uma espécie de loucura mansa, que desenvolva determinado ponto-de-vista não ortodoxo e não trivial, e desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito. Claro que ele deve ser um cara confiável, ainda na divagação. Não se compreende, ou não compreendo, cronista faccioso, que sirva a interesse pessoal ou de grupo, porque a crônica é território livre da imaginação, empenhada em circular e entre os acontecimentos do ia, sem procurar influir neles. Fazer mais do que isso seria pretensão descabida de sua parte. Ele sabe que seu prazo de atuação é limitado: minutos no café da manhã ou à espera do coletivo.

Com esse espírito, a tarefa de croniqueiro estreando no tempo de Epitácio Pessoa (algum de vocês já teria nascido no anos A.C. de 1920?duvido) não foi penosa e valeu-lhe algumas doçuras. Uma delas, ter aliviado a amargura de mãe que perdera a filha jovem. Em compensação alguns anônimos e inominados o desancaram, como a lhe dizerem: “È para você não ficar metido a besta, julgando que seus comentários passarão à História”. Ele sabe que não passarão. E daí? Melhor aceitar as louvações e esquecer as descalçadeiras.

Foi o que fez esse outrora-rapaz ou tentou fazer em mais de seis décadas. Em certo período, consagrou mais tempo a tarefas burocráticas do que ao jornalismo, porém jamais deixou de se homem de jornal, leitor implacável de jornais, interessado em seguir não apenas o desdobrar das notícias como as diferentes maneiras de apresentá-las a público. Uma página bem diagramada causava-lhe prazer estético; a charge, a foto, a reportagem, a legenda bem-feitas, o estilo particular de cada diário ou revista eram para ele (e são) motivos de alegria profissional.

As duas grandes casas do jornalismo brasileiro a que ele se orgulha de ter pertencido — o extinto Correio da Manhã, de valente memória, e este JORNAL DO BRASIL, por seu conceito humanístico da função da imprensa no mundo. Quinze anos de atividade no primeiro, e mais 15, atuais, no segundo, alimentarão as melhores lembranças do velho jornalista.

E é por admitir esta noção de velho, consciente e alegremente, que ele hoje se despede da crônica, sem se despedir do gosto de manejar a palavra escrita, sob outras modalidades, pois escrever é a sua doença vital, já agora sem periodicidade e com suave preguiça. Cede espaço aos mais novos e vai cultivar o seu jardim, pelo menos imaginário.

Aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo. (sic)

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*Carlos Drummond de Andrade estreou no JB em 2 de outubro de 1969 e escreveu sua crônica de despedida em 29 de setembro de 1984.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902-1987)

Nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902, filho de Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond Andrade. Fez curso primário no Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito, onde conheceu Gustavo Capanema e Afonso Arinos de Melo Franco. Estudou no internato Colégio Arnaldo da Congregação do Verbo Divino, em Belo Horizonte. No colégio Anchieta da Cia de Jesus, em Nova Friburgo foi laureado em “Certames Literários”, tendo sido expulso desse mesmo educandário, por “insubordinação mental”. Estudou na Escola de Odontologia e Farmácia, em Belo Horizonte. Iniciou-se profissionalmente como colaborador do Diário de Minas. Foi Redator-chefe desse Diário, Redator de outros jornais: Minas Gerais, do Estado de Minas e do Diário da Tarde. Fundou A Revista de movimento literário, pertencente ao grupo modernista mineiro, tendo por companheiros de movimento João Alphonsus, Martins de Almeida, Emílio Moura, Abgar Renault, Pedro Nava.

Foi professor de Português e Geografia no Ginásio Sul-Americano de Itabira. Funcionário Público, exerceu cargos na administração estadual mineira. Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, como chefe de gabinete do ministro da Educação Gustavo Capanema. Correspondeu-se com Manoel Bandeira e Mario de Andrade. Aposentou-se em 1962. Escreveu obras de poesia, prosa e antologias. Recebeu prêmios da Sociedade Felipe d’Oliveira, do P.E.N Club do Brasil e da União Brasileira de Escritores. Algumas antologias poéticas publicadas em Portugal, Espanha, Alemanha, Suécia, Tchecoslováquia, Argentina, Chile e Estados Unidos. De personalidade reservada, raramente dava entrevistas. Sua morte ocorreu poucos dias após a morte de sua filha.

Prêmios: Prêmio pelo Conjunto da Obra, da Sociedade Felipe d’Oliveira; Prêmio de Poesia, da Associação Paulista de Críticos Literários; Prêmio Nacional Valmap de Literatura; Prêmio Estácio de Sá, de Jornalismo e Morgado Mateus de Poesia (Portugal). Recusa o “Prêmio Brasília de Literatura, da Fundação Cultural do Distrito Federal. Declina o Troféu Juca Pato.

Homenagens: homenageado com o enredo “O reino das palavras”, pela Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira, Rio de Janeiro, que vence o concurso carnavalesco; biblioteca com o seu nome em Belo Horizonte.

Esculturas em sua homenagem: nos jardins da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, em Itabira/MG, por Luiz Eugênio Quintel (Genin), em bronze; na área externa do Memorial “Fazendeiro do Ar” (Genin), em bronze; no calçadão de Copacabana, praia do Rio de Janeiro.

(Fonte: carlosdrummonddeandrade.com.br/vida.php).

“Era uma deusa, disto estou convencido, e só não lhe confidenciei minha certeza porque certos mistérios não se revelam. Uma bela mulher é mais do que mulher. Um admirável poeta é mais do que poeta. Cecília Meireles foi as duas entidades e uma terceira, de explicação impossível. E em novembro veio, em novembro se foi. Deusa em novembro.”

“Quando nasci, um anjo torto/desses que vivem na sombra/disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.”

“E eu não sabia que minha história/ era mais bonita que a de Robinson Crusoé.”

“E o amor sempre nessa toada:/briga perdoa perdoa briga”. “Mariquita, dá cá o pito,/no teu pito está o infinito.”

“É preciso fazer um poema sobre a Bahia…/Mas eu nunca fui lá.”

“No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho…”

“O poeta entra no elevador/o poeta sobe/o poeta fecha-se no quarto./O poeta está melancólico.”

“Devagar… as janelas olham./Eta vida besta, meu Deus.”

“Stop./A vida parou/ou foi o automóvel?”

“Boca amarga pois impossível,/doce boca (não provarei),/ris sem beijo para mim,/beijas outro com seriedade.”

“Entrou pela porta da igreja, saiu pela porta dos sonhos./O girassol, estúpido, continuou a funcionar.”

“Tenho apenas duas mãos/e o sentimento do mundo…”

“A alma cativa e obcecada/enrola-se infinitamente numa espiral de desejo e melancolia./Infinita, infinitamente…”

“Não serei o poeta de um mundo caduco.”

“…Enquanto fugimos para outros mundos,/que esse está velho/velha princesa,…”

“Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!”

“É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

“Nem tu sabes, amor, que te aproximas/a passo de veludo. És tão secreto,/reticente e ardiloso, que semelhas/uma casa fugindo ao arquiteto.”

DRUMMOND deixou inédita uma obra erótica. Reunidos, posteriormente, esses poemas em coletânea O AMOR NATURAL:

“O meu tempo de menino/o meu tempo ainda futuro/cruzados floriam junto/Ela me beijava o membro.”

“E silenciem os que amam,/entre lençol e cortina/ainda úmidos de sêmen,/estes segredos de cama.”

“Mulher, dupla mulher, há no teu âmago/ocultas melodias ovidianas.”

“A castidade com que abria as coxas/e reluzia a sua flora brava./Na mansuetude das ovelhas mochas/e tão estreita, como se alargava.”

“Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas/detêm a mão ansiosa: Devagar./Cada pétala ou sépala seja lentamente/acariciada, céu; e a vista pouse,/beijos abstrato, antes do beijo ritual,/na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.”

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