NARCISO E NARCISO – Ferreira Gullar (Outros Autores)

Postado por Rita de Cássia ligado abr 2, 2011 em Outros Autores | 0 Comentários

Eu era ainda adolescente quando me perguntaram: “Quem é o seu poeta preferido? – Respondi: FERREIRA GULLAR (nunca havia lido um só verso de FERREIRA GULLAR!). Continuou o meu poeta preferido vida afora. Disseram-me: “FERREIRA GULLAR é um homem feio”. Respondi: É o feio mais lindo do mundo. E suas mãos! Ah! FERREIRA GULLAR! Suas mãos são poemas! Você, mesmo ao vivo, é uma tela. Seus cabelos brancos são neves, cobrindo as folhas secas do meio-norte, e você complementa com os seus saberes sobre as artes plásticas! (Rita de Cássia Amorim Andrade)

 

 

 

Narciso e Narciso

           Ferreira Gullar

Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira. 

Para Narciso
o olhar do outro, a voz
do outro, o corpo
é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é
como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que o admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.          
                E se amam mentindo
                            no fingimento que é necessidade
                            e assim 
                mais verdadeiro que a verdade. 

Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele
é fingimento.
                     E fingem mais
os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
        – e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
                     se odiando. 

O espelho
                embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
                       que o inferno de Narciso
                       é ver que o admiravam de mentira.

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