ANÍSIO VALENTE
RITA – Anísio, antes de iniciarmos este bate-papo, gostaria de apresentar aos nossos leitores o enunciado que aqui segue escrito por você mesmo, dando-nos uma ideia das suas idiossincrasias, tão peculiar em alguns jovens da sua geração. Você traduz em símbolos toda uma vivência de valores positivos e negativos. Senão, vejamos:
ANÍSIO:
Vendedor de Sonhos:
Nasci em Buenópolis, interiorzão de Minas, criado à base de mingau de fubá, peixe, carne de caça e ovos de galinha caipira. Minha humilde e saudosa casa de adobe comportava 13 pessoas. Comecei a entender a alma da mulher muito cedo. Tenho seis irmãs. E enquanto os garotos da minha idade queriam jogar bola eu brincava de casinha, de médico e de queimada com minhas irmãs e suas amigas. Uma dessas amigas, já com seus 14 anos, adorava me tocar e beijar a minha boca ( hehe! Eu adorava!) Cedo comecei a curtir poesia, eternos agradecimentos a Tia Vera Antunes que me entendeu e me amou.Simples assim!
Aos nove, mudei pra Sete Lagoas. Numa nova escola, conheci um garoto de nome Ricardo que já escrevia poesias, eu ficava alucinado com suas rimas. Comecei a escrever e não mostrei pra ninguém. Um dia criei coragem e mostrei-lhe. Ele disse que eu tinha nascido com o dom. Como ele mentia bem, eu acabei acreditando. Aos 10 conheci a vossa majestade o álcool. Nascia, ali, um vândalo apelidado de Loro Capeta. Seis vezes expulso da escola e nenhuma ocorrência policial. Nunca conseguiram me prender. Até hoje! (rs)
ANÍSIO:
Aos 16, conheci aquele que, desde então, tornou-se o meu melhor amigo Cláudio Viana (o He-mam) este me aplicou no melhor do rock n roll (Janis, Hendrix, Robert Cray, Irom, Led, Legião…) aí matei o vândalo e renasci maluco. Tipo sangue bom que trata todos muito bem. A indisciplina cercou minha adolescência, se é que você me entende. Mas o que eu sei, e que é bem estranho, é que eu passei a maior parte da adolescência, abraçado ao violão e ao Livro Sagrado dos Cristãos. Só ia pras ruas se estivesse sóbrio. Certa vez, ia ver o Cláudio Zóli, desisti. Só de vê-lo com o violão fiquei satisfeito e fui embora, eu era muito mais eu (rs). Aos 27 veio a esquizofrenia. Vozes sensoriais me perturbavam 24 horas e me colocavam muitos apelidos pejorativos. Um dia ouvi uma voz diferente que me chamou pelo nome. Eu fiquei extasiado, e perguntei quem era. Disse-me suavemente que era o Espírito do Deus Vivo e que sairíamos juntos daquela maldição. Ele me ensinou a lutar e me curava quando eu era ferido. Um pouco mais de tempo, me apareceram o Arcanjo Miguel e o Anjo Jesziel. Miguel disse-me que a partir daquele dia meu nome não seria mais Anísio Januário Carneiro e sim Anísio Valente. Jesziel veio com a função de me ensinar a tocar, dizendo ser o mesmo Anjo que ensinou o Rei Davi a tocar harpa. Tenho evoluído.O Tianísio veio através dos amigos dos meus sobrinhos que me receberam de braços abertos. Estou aí, entre a zona sul e a zona norte, entre alamedas e vielas gritando a liberdade e a disciplina em nome desses sonhos. Sonhos que preciso vender pra continuar sonhando. Vai dar tudo certo. Meus referenciais? Cazuza, Renato e Raul. Meu ídolo? O incomparável Jesus, O CRISTO! Obviamente, na pessoa Trina que É.
RITA – Diante do constatado, além do codinome “Tianísio”, eu o chamei “Príncipe Valente”. Naturalmente, não devo ter sido a primeira a coroá-lo. O Príncipe Valente já existia de outras bocas, só adivinhei. Não é verdade?
ANÍSIO – Digamos que você tenha sido a primeira a verbalizá-lo. Digo isso porque sou tratado assim, como um príncipe, por aqueles que me recebem como sou. Embora me deixe tímido esse codinome, sinto que tenho potencial pra um dia receber esta coroa e fazer jus a esse suposto reinado. Como bom megalomaníaco, acredito piamente que toda obra prima nasce de uma idéia absurda.Seja absurdo ou não, os filhos dos anos oitenta ficaram órfãos e consequentemente o reinado dos seus respectivos três reis magos:Cazuza, Renato e Raul. Está em aberto. Minha postura não me parece pretensiosa e sim absurda!
RITA – Sobre a sua vida profissional, quando você iniciou a carreira artística, músico, poeta?…
ANÍSIO – Há algum tempo, refletindo sobre isso, cheguei a uma conclusão. Logo que me matricularam no Jardim da Infância (que também fui expulso) iniciei meu romance com a arte. Na ocasião minhas irmãs tinham o costume de dizerem que “essa ou aquela” música serem delas. E pra mim, todas eram minhas. Daí, como eu não entendia bulhufas de inglês eu inventava mentalmente minhas próprias traduções. Na primeira série, tive contato interativo com as letras através daquela que sempre será um grande referencial pra mim.Minha professora:Tia Vera Antunes.Essa sim me cobriu de afeto e compreensão,uma vez que eu era muito levado.Foi indiscutivelmente nessa ocasião.
RITA – Para que público você se dirige, ao compor as suas músicas?
ANÍSIO – É uma boa pergunta, talvez a mais íntima delas. Bom, acima de tudo sou compositor. E como tal, é bom que eu seja versátil. No entanto, antes de pensar em qualquer tipo de público, penso em mim. Penso se aquela canção me traz alívio, paz ou gozo. Mas, não posso negar, hipocrisia definitivamente não combina comigo. Como não tenho a pretensão de autocontemplação, procuro cantar minhas verdades, aquelas que estão no consciente coletivo e que as pessoas gostariam de cantar. Canto o amor, a rebeldia, as mazelas, algumas sacanagens e sou bem adepto do erotismo. Mas essencialmente canto, pinto e poeto a existência; na grande esperança de que os filhos dos anos oitenta me adotem como tio e que os adolescentes de hoje não cometam os mesmos erros que eu por falta de quem os direcionem usando sua própria linguagem.
RITA – Que tipo de música você compõe?
ANÍSIO – Como disse sou bem versátil. Com exceção de alguns estilos que limitam o amor e vulgarizam o sexo e a sexualidade, a esses evito. E se faço, procuro dá-los um encanto poético consistente e solto ao mesmo tempo. Sinto-me livre pra fazer qualquer coisa. Verdade é que sou muito reclamão, amo aqueles rockão que esculacha o cara que anda falando mal de mim só por que não compactuo com as mesmas visões existenciais que ele. Sou romântico e acho válido melodiar o amor como eu o vejo, recebo e o distribuo de bom coração.
RITA – Você teve musa inspiradora de corpo vivo, digo, uma mulher, ou apenas, mitológica?
ANÍSIO – Sim já tive! Mas todas elas, tais como sementes morreram pra florir um pouco mais esse meu jardim fechado. Essas meninas que se tornaram flores, algumas é fato, que só deram em espinhos, foram tão vitimas minhas quanto eu delas. Sem meias palavras digo que minha verdadeira musa é um ser idealizado. Talvez, se eu não estiver errado dessa vez, esse ser idealizado tenha olhos claros e me faça solto qual um lobo marinheiro na enxurrada a brincar. Como bom ou mau poeta, não sei, procuro um grande e verdadeiro amor e pra que isso me aconteça tenho uma única fórmula. Não faço tipo pra impressionar.
RITA – Que tipo de instrumento você utiliza para levar ao grande público a sua música?
ANÍSIO – Parece contraditório! Mas não uso nenhum instrumento. Odeio essas campanhas de internet. Não tenho a mínima paciência de ficar de página em página angariando votos. Quando se tem um trabalho com possível mercado, as grandes gravadoras sabem de você antes mesmo de você imaginar. Disso tenho certeza, já sabem de mim, quando resolverem me buscar… eis me aqui! Pode até parecer teoria da conspiração, mas ao longo dos anos aprendi distinguir paranóia de evidências.
RITA – Além de músico e letrista, você é também poeta. “Ferreira Gullar diz que tudo que causa estranheza lhe inspira versos”. E você, o que ou quem lhe inspira para criar versos?
ANÍSIO – É, fiquei de pés e mãos atados. O Ferreira disse tudo. Penso que um dos vários seres que em mim habitam, o filosofo, faz de mim um cara muito observador. Então fica um pouco mais fácil decodificar as informações que vou colhendo naturalmente no decorrer da vida. Gosto muito de trabalhar com sabedoria popular.
RITA – Muitos poetas já cantaram as suas terras. No vasto litoral brasileiro, poetas estão a cantar o mar. Outros, sertanejos, louvam o sertão. E os morros, os montes mineiros, já lhe inspiraram versos?
ANÍSIO – Isso é mágico, transcendental! Sim, estou sempre fazendo alusão à minha terra. Imagino que seja natural, uma vez que faço isso até sem perceber. Duas em especial, Raízes e Cristais e Crepúsculos Gerais*, fala mais abertamente desse vínculo com os mares de morros. Até causo caipira eu já escrevi, Ranchinho Buriti. Um dia eu mostro. Porém, mesmo que Minas seja minha raiz não tenho meus pés cravados nesse chão, sou livre pra cantar o mar e os vulcões mesmo que não haja em minha volta arrebentações ou erupções. Não tenho nada, quando fecho os olhos… tudo é meu.
*Raízes e Cristais: Felipe França/Anísio Valente
*Crep.Gerais: Benjamim Lustosa Junior/Anísio Valente
RITA – No seu poema “A poesia do futuro”, você cogita uma relação suprassensível da realidade, uma relação interplanetária. Você se apaixonaria por uma “marciana”? Aproveitando a deixa, você acredita que outros planetas seriam habitados?
ANÍSIO – Claro que me apaixonaria por uma marciana. Desde que ela não viesse com papo de fazer amor através de ondas eletromagnéticas, sonoras talvez (rs). Gosto de tocar e ser tocado, é uma necessidade vital, mesmo que eu saia extremamente desgastado.Se é pra se fazer algo;pois que seja com intensidade, penso eu.Depois de um longo e interessantíssimo dialogo com dois sobrinhos,Leonardo e Andinho, sendo que o segundo tem apenas treze anos, chegamos a conclusão que não existe vida em outros planetas.Raciocinamos assim:Se nós, meros mortais temos acesso a tanta tecnologia em nossos celulares, imagine o que deve ter a NASA ou as grandes instituições midiáticas? Lá pras tantas da manhã, concluímos que quando alguém vê um disco voador na verdade o que ele vê é uma máquina do tempo e não uma nave espacial. Quem pode garantir que já não existe a máquina do tempo?Talvez o futuro não tenha acontecido pra nós, mas e pra eles?Parece absurdo, mas as minhas provocações fizeram os garotos chegarem a esta conclusão no mínimo plausível. Depois dessa foi fácil parafrasear Shakespeare: Há mais mistérios entre os satélites e a Terra do que possa imaginar nossa vã tecnologia!
RITA – Voltando à vida de músico, este é o seu único meio de vida, ou exerce outra profissão?
ANÍSIO – Eis a parte mais delicada da minha vida. Se eu fosse pai eu faria qualquer coisa em prol dos meus filhos. Um dia, ao ser censurado por um vizinho, por não ter um trabalho convencional, devolvi a censura com uma pergunta: – Você não faria a mesma coisa pelo seu filho?Por que eu não posso receber isso de meu pai?Nem preciso detalhar a reação dele né?A música ainda não me deu nenhum retorno financeiro, daí preciso contar com a compreensão e o patrocínio do meu bom e velho pai que briga comigo, só comigo, dizendo que sou um filho bem compreensível.
RITA – Você já gravou algum CD?
ANÍSIO – Em 2001, eu e meu sobrinho Rogerinho Galeno, tivemos a ousadia de gravar um cd. Ficou um lixo! (rs) Obviamente por minha culpa, já que o instrumental do Rogério, considerando suas limitações da época, ficou bem bacana. Mas eu tava com o organismo transpirando tarja preta e isso fez a coisa ficar muito mais difícil do que parecia. A música tava numa rotação acelerada e eu em câmera lenta. (rs) Mas valeu, jamais deixará de ser uma parte percorrida da nossa estrada.Mesmo que não tenha ficado bom.
RITA – Agora, falemos de Deus. Você, no depoimento acima, diz que já ouviu Deus, literalmente. Foi realmente a viva voz, ou você o sentiu no seu espírito?
ANÍSIO – Rita, a fé é o assunto que mais me encanta, exatamente por sua diversidade de assimilações. Eu sempre quis de Deus, muito mais do que eu via as pessoas normais obterem. E funcionou!Eu O ouvi de viva voz inúmeras vezes. Hoje Ele mora dentro de mim. Falo abertamente com Ele sobre tudo e tenho respostas das quais nem posso falar pra não influenciar nem agredir a fé alheia. Até onde conheço Deus, sei que é um Cara cultural e revela-se às pessoas mediante sua cultura.
RITA – O padre Leonardo Boff diz que temos que sentir Deus dentro de nós e, só depois de ouvi-lo, poderemos, então, escolher uma religião para segui-lo. Você profetisa alguma religião?
ANÍSIO – Respeito, mas não tenho religião. Apenas tento fazer as coisas que Deus me ensina. Sendo o alvo da minha caminhada: O Amor. Digamos que sou adepto do cristianismo sem placa. Me incomoda quando religiosos se aproximam de mim apenas com intuito estratégico de me doutrinarem.Que tremenda falta de respeito!
RITA – No depoimento, você diz ter seis irmãs, o que o faz entender as mulheres. Nesse cabedal feminino, encontrou algo especial que o leve a projetar a mulher ideal, ou não existe a “mulher ideal”, tudo é circunstancial?
ANÍSIO – É um beco sem saída! Se defino a mulher ideal, tenho medo de perder minha veia poética. Se me dou ao circunstancial, tenho medo de me prender ao efêmero. Essa questão sempre me remete ao que parece natural. Porém, pra mim é um grande paradigma o fato de um jovem poeta ter necessariamente que ser um visionário a procura de uma princesa encantada e por isso tornar-se temperamental e enigmático. Tenho me rendido ao meu Deus da maneira que eu O compreendo, pra quebrar essa faixa ilusória de luz que insiste em entrar pelas frestas de minha janela. Hoje, só hoje, eu posso ser livre de todos os meus padrões pré-estabelecidos, não obstante, posso ser diferente sem agredir a qualquer que seja o interlocutor. Quanto ao cabedal, me ensinaram que minha musa idealizada tem um pouco de cada uma delas e tudo da minha querida mãe. O que também pode ser outro grande paradigma.
RITA – Amigo, agradeço a sua presença. Não nos conhecemos pessoalmente, mas tenho um grande carinho por você. Gosto da sua irreverência irônica e inteligente, dos seus conflitos sublimes.
ANÍSIO – Ritíssima, você tem esse algo especial que as pessoas buscam, e que, desculpe a pretensão, buscam em fontes secas. Isso porque buscam na matéria, e a matéria é só um recurso a mais que temos pra colorir de verde ou azul nossa sublime existência- Estou encantado com verde azul tão claro desse mar. Agradeço-te pela oportunidade de poder expressar-me com liberdade e segurança. Até mesmo porque, rebelde? Rebelde é o que eles dizem quando não querem te ouvir.
Deixo um beijo terno na linha tênue que divide a alma do espírito dos seus leitores, de cada um dos seus leitores.
Nesse momento da minha vida, momento de expectativa e de muita ansiedade, quero dedicar cada milésimo de segundo do meu respeito aos meus amigos e às poucas pessoas que se autoelegeram minhas inimigas, por que são exatamente elas que me ensinam como eu devo ou não devo ser.
Com as devidas honrarias, me sinto bem mencionado os nomes do casal Jonas e Lídia e Tiago Amador Abreu, Viviane Hipólito, Cláudio Abreu, Paulinha Vaz e Angelíssima de Vries.
Ofereço com muito afeto, esse pouco do que sou, do que posso e que não posso a todos os meus sobrinhos. Biológicos ou não!
Obrigado a todos; por tudo!
4 Comentários para “RITA conversa com ANÍSIO VALENTE (Bate-Papo)”
Grande Anísio, não o conheço há muito tempo, uns dois anos ou mais, o vejo como um ser ímpar, não daqueles que a gente vê toda hora, a mesmice não tá com nada, igualzinho também não, copiar aquilo que vem por impulso não presta, é isso é que vemos pelos nossos caminhos, mas Tianísio trilha sempre um novo caminho, procura sempre o novo, eu acho que o artista para criar arte, deve ter especificamente esse diferencial. Um abraço do amigo Marcio Metzker..
Rita,boa noite!Preciso muito falar com você sobre um projeto leitura.Soube da sua autenticidade,simplicidade e a colocaçaõ de sua palavras me encantaram.entre em contato comigo,urgente,por favor!Amplexos.Bom final de semana!Contatos:35-32913833/35-98921682-e mail darlene102010@hotmail.com
Grande Anísio!
• Tulio
Conheço Anisio não faz tanto tempo; mas nossos breves encontros foram suficientes pra conhecer o belo ser humano que ele é. Aprendeu a viver com seus problemas, e o mais importante, a conviver e respeitar os problemas dos outros. Sua autenticidade é visível na simplicidade e honestidade de suas palavras nesta entrevista. Deus te abençoe irmão…seja seu riso e seu pranto, viver e poetizar…