CARTA A UM FALSO DEUS
₢ Dalva Agne Lynch
Ele veio
encontrando-me sozinha
e seu magnetismo foi mais forte
que meu desejo por liberdade.
Ele veio
enquanto eu estava trôpega
e envolveu-me com um manto de certezas.
Não, não tive chance.
Ele me cobriu com suas palavras
com afirmações de amor e destruição
e então
assim como viera, foi-se
deixando atrás de si um rastro de escombros.
Ceguei-me
à realidade de pessoas separadas por convicções
por certezas subjetivas
os filhos rejeitando os pais pela força de um sangue
– que nem era o seu -
os pais convictos de certezas
– sem corroboração -
os esposos envoltos em desprezo
– sou mais santo do que tu!
E tantas, mas tantas orações
lançadas a um imaginário céu sem respostas!
Da menina estuprada pela multidão
da mulher embalando o corpo morto de seu filho
do homem escravizado pelo pão de cada dia
do jovem vilipendiado por não amar como os demais…
E não vi!
Na minha ânsia por um sólido chão
aceitei a simples proteção do irmão mais forte
a limpeza cármica do sangue derramado
e sim, ceguei-me – pusilânime!
Voluntariamente não vi a mentira
por detrás de tuas belas palavras.
Ah, que pensei não ser ainda digna!
E como, dize-me, como
pudeste ser a tal ponto mentiroso?
Tu me enganaste, falso deus.
A mim
mãe de quem tiraste os filhos
a mim, falso deus
que me ajoelhei perante ti
em total crença
em vil submissão!
E fraca e destituída
aceitei tuas respostas.
E me enganaste!
Agora
depois de tantas perdas e tantas palavras inúteis
– lançadas a um céu imaginário -
desperto.
Desperto!
Estendo mãos agora de certeza
mãos solitárias
destituídas
doloridas
– mas certas de seu gesto -
a um Infinito que a todos acolhe
sem preconceito
sem perguntar a cor da pele
a cor do sexo
a cor das crenças.
Um Infinito que vê apenas
o coração.
Em um arroubo de coragem sem cobertura
lanço-me perante o Eterno
e Nele encontro a força de luta
contra a tua mentira
encoberta em tão belas palavras.
Então,
em nome de crianças destroçadas
de esposas desprezadas
de filhos destituídos da liberdade de escolha
de homens escarnecidos por seu sexo
– porque não amam como os demais -
faço-me Nêmesis ao teu ódio
separativismo
amor condicional
violência
destruição
ganância.
Não, não sou ninguém, falso deus.
Mas ainda assim levanto-me
– vê como me treme o corpo! -
banhada no sangue do meu povo
e grito
perante as tuas hordes que me lançam pedras.
E de longe
por detrás das nuvens do teu desengano
das noites de solidão com que me cobriste
das grades do teu preconceito
– com as quais encarceras os seres -
uma Mão Sagrada se estende
pousando por sobre a minha cabeça.
A mão da liberdade suprema.
Sim, somos aceitos, falso deus!
Nós, os que desprezaste
somos aceitos pela infinita sabedoria
do Criador.