FECHANDO O ANO 2014 > Semana DALVA AGNE LYNCH > 22 a 28 de dezembro/14 > “CARTA A UM FALSO DEUS” (categoria: Artigos)

Postado por Rita de Cássia ligado dez 27, 2014 em Artigos / Crônicas | 0 Comentários

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARTA A UM FALSO DEUS


₢ Dalva Agne Lynch

 


Ele veio


encontrando-me sozinha


e seu magnetismo foi mais forte


que meu desejo por liberdade.


Ele veio


enquanto eu estava trôpega


e envolveu-me com um manto de certezas.


Não, não tive chance.


Ele me cobriu com suas palavras


com afirmações de amor e destruição


e então


assim como viera, foi-se


deixando atrás de si um rastro de escombros.


Ceguei-me


à realidade de pessoas separadas por convicções


por certezas subjetivas


os filhos rejeitando os pais pela força de um sangue


– que nem era o seu -


os pais convictos de certezas


– sem corroboração -


os esposos envoltos em desprezo


– sou mais santo do que tu!


E tantas, mas tantas orações


lançadas a um imaginário céu sem respostas!


Da menina estuprada pela multidão


da mulher embalando o corpo morto de seu filho


do homem escravizado pelo pão de cada dia


do jovem vilipendiado por não amar como os demais…


E não vi!


Na minha ânsia por um sólido chão


aceitei a simples proteção do irmão mais forte


a limpeza cármica do sangue derramado


e sim, ceguei-me – pusilânime!


Voluntariamente não vi a mentira


por detrás de tuas belas palavras.


Ah, que pensei não ser ainda digna!


E como, dize-me, como


pudeste ser a tal ponto mentiroso?


Tu me enganaste, falso deus.


A mim


mãe de quem tiraste os filhos


a mim, falso deus


que me ajoelhei perante ti


em total crença


em vil submissão!


E fraca e destituída


aceitei tuas respostas.


E me enganaste!


Agora


depois de tantas perdas e tantas palavras inúteis


– lançadas a um céu imaginário -


desperto.


Desperto!


Estendo mãos agora de certeza


mãos solitárias


destituídas


doloridas


– mas certas de seu gesto -


a um Infinito que a todos acolhe


sem preconceito


sem perguntar a cor da pele


a cor do sexo


a cor das crenças.


Um Infinito que vê apenas


o coração.


Em um arroubo de coragem sem cobertura


lanço-me perante o Eterno


e Nele encontro a força de luta


contra a tua mentira


encoberta em tão belas palavras.


Então,


em nome de crianças destroçadas


de esposas desprezadas


de filhos destituídos da liberdade de escolha


de homens escarnecidos por seu sexo


– porque não amam como os demais -


faço-me Nêmesis ao teu ódio


separativismo


amor condicional


violência


destruição


ganância.


Não, não sou ninguém, falso deus.


Mas ainda assim levanto-me


– vê como me treme o corpo! -


banhada no sangue do meu povo


e grito


perante as tuas hordes que me lançam pedras.


E de longe


por detrás das nuvens do teu desengano


das noites de solidão com que me cobriste


das grades do teu preconceito


– com as quais encarceras os seres -


uma Mão Sagrada se estende


pousando por sobre a minha cabeça.


A mão da liberdade suprema.


Sim, somos aceitos, falso deus!


Nós, os que desprezaste


somos aceitos pela infinita sabedoria


do Criador.

 

 

 


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