“UMA ELEGIA PARA O SÉCULO XXI” – por Daniel Ciarlini (categoria: Outros Autores)

Postado por Rita de Cássia ligado mar 27, 2015 em Outros Autores | 0 Comentários

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

UMA ELEGIA PARA O SÉCULO XXI*


Quanta filosofia encerra a planta: cresce presa ao solo, conquista o seu lugar ao sol, gera frutos e dá sombra aos que dela necessitam. Eis uma das mais belas metáforas da vida a qual estamos expostos no dia a dia e nunca nos damos conta porque nos deixamos empedernir pela senda de negror que julgamos ser a inteligência. A inteligência nos engana justamente quando dela deixamos de nos servir e permitimos que ela de nós se sirva – “a inteligência desintegra”, alertava-nos Pessoa. Por essa e outras que é mais fácil um homem ser destruído por suas qualidades do que pelos defeitos. Esquecemo-nos, porque embriagados: o conhecimento é uma utopia, reside no campo do ideal, somente quando assim deixa de o ser, é que se torna igualdade e harmonia.
Quantos de nós por culpa da vaidade, da ignorância, da estupidez, não deixamos escapar das mãos a nobreza de uma atitude simplesmente por achar que ser nobre nos dias de hoje é uma causa perdida, uma falácia? Assim nascem as injúrias, as corrupções, os vícios e os egoísmos. O vil metal é a bandeira negra e ofuscada dessa civilização sofrida e frágil. Em nome dele nos destruímos, em nome dele esquecemos o outro (que sofre, que é carente de afeto, de amor, de alegria…, há coisa mais triste?), e por conta dele, do metal que nos vilipendia, encenamos a mais trágica de todas as peças: a tragédia de nossas vidas no despenhadeiro.
Tudo se foi contaminando… Perdemos o senso de justiça, a coragem de gritar, a bravura da indignação…, até mesmo a família, um dia a fortaleza maior da sociedade, agora elege entre seus pares as mais ruidosas desesperanças – de seu íntimo nascem os mais profanos inimigos. Refletindo tudo isso, temos a política, que um dia nasceu como uma solução e para falar por todos nós, para atender aos mais difíceis e urgentes problemas do todo, do bem comum, mas que hoje fala e resolve as barganhas de uns poucos e se torna empresa sadia para alguns – um câncer alojado no corpo da sociedade que falece por suas faltas de atitude.
Como se tornou difícil reflexionar sobre a estrutura fatalista que nos consome… Como perdemos a capacidade de sermos simples… Sim; o homem moderno deixou de enxergar nas coisas simples as mais belas e profundas significações. Hoje, mais vale enegrecer o intelecto em nome de uma montanha de prolixidades do que deixar inebriar-se da sabedoria que a natureza gratuitamente nos oferta. Mais do que nunca precisamos da arte, porque em um mundo onde a ciência “acaba em hipótese” e a “lucidez sombria culmina em metáfora” (CAMUS), somente ela, a arte, nos remove as incertezas do espírito e nos obriga a pensar o mundo a partir da visão e não do reconhecimento – reconhecer é reflexionar sobre o já reflexionado: o já reflexionado engessa e abrevia. Juntemos as mãos, não percamos a capacidade de visão!, o mundo nunca esteve tão escasso, tão carente, tão mórbido.
A culpa de tudo isso talvez resida mesmo em nossas atitudes, em tudo aquilo que pensamos como certo e fabricamos como certo – assim, encarceramos nossas próprias consciências quando piamente inferimos o saber unívoco. E nessa mesma linha fomos, pouco a pouco, destituindo os valores que nos mantinham em harmonia com o próximo, com a mente e com o espírito. Resultado: o equilíbrio rola descontroladamente ladeira abaixo.
A cada dia acordamos com a certeza mais aguda de que o tumulto instaurado jamais poderá ser impedido. Tornamo-nos robôs, com atitudes programadas e mecânicas, porque deixamos lá no passado (nem tão distante assim) palavras de ordem primordial como integridade, identidade, originalidade ou ainda o próprio “eu”. Somos levados pelo modismo e pelas aparências.
Porque nos falta amor somos cada vez mais frágeis, sozinhos…, os aparatos tecnológicos, nossos únicos “companheiros”, nos sugam, nos abreviam e nos corroem. Somos, por fim e por tudo, carentes. E essa carência nos esmaga, nos lança no abismo da perda total da consciência. Amamos os bens materiais e deixamos de canto o amor ao próximo, a si mesmo e aos demais seres que compõem esta nossa biosfera.
É mister ouvir o que reverbera o vegetal: sejamos fieis ao mundo que nos abriga e cresçamos nele espiritualmente, conquistemos com altruísmo o nosso lugar ao sol, tenhamos a sabedoria de difundir nossas experiências e a humildade em dar abrigo àqueles que de nós se aproximem e queiram crescer. A esperança residirá nos frutos conscientes que germinaremos neste presente – regá-los é um dever e o nosso compromisso com o futuro.
Este escrito é dirigido a todos aqueles que também sentem a fragilidade deste século XXI. E a você, que por alguma razão estacionou os olhos nestas curtas linhas e compreendeu a urgência que há em se restituir os valores já tão perdidos, e que um dia nos mantiveram tão próximos, tão unidos em uma só família…, juntemos a mãos!


Parnaíba, 22 de março de 2015.
Daniel C. B. Ciarlini
* Publicado no editorial do “O Piaguí Culturalista” (n° 89, Março de 2015).

 


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