A VIAGEM DE AVIÃO
Por Gisleno Feitosa
O meu filho mais afoito,
(era o sete ou era o oito)
de uma reca de vinte,
cismando de ser doutor,
partiu daqui, sem requinte,
sozinho, com Nosso Senhor!
Foi-se pra terra distante,
lugar de gente elegante,
como dizia nas cartas,
que vez por outra mandava,
junto com um par de alparcata,
quando a saudade apertava!
Um dia mandou também
uma passagem e uns vinténs
pra eu viajar de avião,
saindo de Teresina,
com destino ao Galeão.
Aí começou minha sina!
Arrumei, no meu alforje,
herdado do filho Jorge,
dois ternos de casimira,
uma tipoia e o torrado,
água benta e tiquira,
pra um vento encausado.
Chorei, deixando o sertão,
sentindo no coração,
dó de toda a filharada,
que, com lenços, acenava,
das portas a da sacada,
gritando: quando voltava?!?!
Uma coisa diferente
cutucava a minha mente
durante todo o trajeto
até ao aeroporto.
Cada vez mais inquieto,
disfarçava o desconforto.
Logo, ao chegar, no portão,
me espatifei no chão,
pois o bicho abriu sozinho,
e todo mundo mangando.
Me senti um passarinho,
baleado e mancando!
Empurrado, pra uma esteira,
lembro bem de uma porteira,
que buzinava e piscava,
e era aquele alvoroço,
toda vez que eu passava,
cercava um bando de moço.
Que foram me revistar
e, mão prá lá mão prá cá,
encontraram um canivete,
desses de picar fumo.
Deram rasteira e bofete,
que quase saio do prumo!
Finalmente, embarquei,
e vendo a nave pensei,
qbe era a arca de Noé.
Uma moçada decente,
Bem vestida e em pé,
cumprimentava a gente!
Sentado, ganhei uma cilha,
atada numa presilha.
Lá pelas tantas, voando,
surgiu uma turbulência,
e eu quase vomitando,
pedi, de Deus, a clemência!
Por obra e graça divina,
nem aqui e nem na China,
ponho os pés em avião,
Pois essa ave infernal
é empautado com o cão.
Só viajo de animal!
*
Fonte: Da bula à literatura/SOBRAMES/PI (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores) (escritos e descritos de médicos escritores piauienses) p. 34.