O JASMIM
Por Ferreira Gullar
me invade as ventas
no limite do veneno
assim de muito perto
esse aroma rude é um oculto fogo verde
(quase fedor)
que me lesiona
as narinas
entre o orgasmo e a morte
mal pergunto
o que é isto um cheiro?
quem o faz?
a flor e eu?
um invento
milenar da flora?
quando? desde quando?
já estaria na massa das estrelas o cheiro da alfazema?
Nasce o perfume com as florestas
um silêncio a inventar-se nas plantas
vindo da terra escura
como caules, talos ramos folhas
o aroma
que se torna o arbusto – um jasmineiro.
Nos jardins dos prédios (na rua senador Eusébio,
por exemplo), nos matagais,
são usinas de aromas
a fabricar jasmim anis alfazema
(alguns cheiros são perversos
como o anis
que a muitos poetas endoidou
durante a belle époque;
já o da alfazema
dorme manso nas gavetas de roupas
em São Luís
e reacende o perdido)
Tudo isto para dizer que ontem à noite
arranquei flores de um jasmineiro
no Flamengo
e vim com elas
— um lampejo entre as mãos —
pela rua
sorvendo-lhe o aroma selvagem
enquanto foguetes Tomahawk caíam sobre Bagdá.
*
Em alguma parte alguma – p.33/Ferreira Gullar- 4ª ed. – Rio de Janeiro, José Olympio, 2010