ESTRELA DA MANHÃ
Manuel Bandeira
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de
[uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.
Manuel Bandeira (in: Estrela da Manhã)
Comentário:
Por Rita de Cássia Amorim Andrade
A força criadora de Manuel Bandeira denuncia o estado psíquico do autor, numa linguagem metafórica. Na leitura do poema “Estrela da Manhã” já podemos vislumbrar o sentido de morte travestido no próprio título. Affonso Romano de Sant’anna (in O Canibalismo Amoroso) chama a atenção para os vários sentidos mitológicos da estrela da manhã, como princípio de vida; entre índios dos Estados Unidos é a senhora das águas e do céu noturno, para defender os homens; os mexicanos confundem-na com Vênus e é temida por fazer mal ao homem. Ao contrário de princípio da vida (bíblia), para Bandeira é o princípio da morte.
Nesses versos em forma de ladainha, há o apelo, a chamada para a vida, de um homem que espera a morte:
“… Meus amigos meus inimigos/Procurem a estrela da manhã”
A dicotomia Eros/Thanatos discorre em todo o discurso, pela sexualidade:
“Ela desapareceu ia nua”
“…um homem sem orgulho/Um homem que aceita tudo”
Ele se rebaixa, colocando-se no nível da mulher impura:
“Três dias e três noites/Fui assassino e suicida/Ladrão, pulha, falsário”
A mulher deixa de ser uma virgem consoladora dos aflitos e passa a ser um monstro:
“Virgem mal-sexuada/Atribuladora dos aflitos/Girafa de duas cabeças/Pecai por todos pecai com todos
É uma pecadora:
“Pecai com os malandros/Pecai com os sargentos/Pecai com os fuzileiros navais…”
“Com os gregos e os troianos/Com o padre e com o sacristão/Com o leproso de Pouso Alto”
O ritual de degradação se segue:
“Depois comigo”
Como se num processo de purificação:
“Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples/Que tu desfalecerás”
Apela para a vida, seja pura ou degenerada:
“Procurem por toda a parte/Pura ou degenerada até a última baixeza/Eu quero a estrela da manhã.