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Leituras
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Queridos amigos,
Contemplando a verdade inquieta que se revela em um sol de inverno, forte e suave, lembro
que a verdade é essencial para a arte, imprescindível para que a beleza seja convincente e, portanto, real. Para além de Pessoa e toda aquela teoria de fingimento sobre a dor verdadeira, eu me pergunto: a literatura não é mesmo para isso? Para contrastarmos o espelho, para tirarmos máscaras e roupas, para
mastigarmos lágrimas, para registrarmos sorrisos, nascimentos, mortes, amores, ódios – para que sejamos salvos da efemeridade?
Afinal, seria muito egoísmo guardar isso. Egoísmo de Pessoa, de Vinícius, de Drummond,
de Clarice, se eles não escrevessem para o mundo suas verdades e seus tantos sentidos (uma avareza ímpar artistas não exibirem seus altos e baixos). Assim eu compartilho um pouco das minhas palavras, eu e elas, sempre tão insuficientes. Compartilho um pouco de vida, apesar de mim, apesar das palavras.
Talvez não se perca nada, ou pelo menos fiquem alguns poucos vestígios. Tudo bem. Talvez assim, eu encontre um ou dois amigos do outro lado desse branco infinito que separa a minha dimensão do seu olho e do seu ouvido. Sei que você me lê, mas será que também me ouve daí?
Às vezes, escrevo com um humor ácido – isso eu guardo. Às vezes escrevo duas ou três baixarias, mas troco apenas com alguns amigos próximos, para dar risada. Por vezes tenho um texto pesado, em outras deito palavras sobre voos de borboleta. Mas sempre escrevo sobre aquilo que sinto, e mais que isso, sobre
tudo em que acredito. Sobre o que a verdade me conta.
Ainda que seja para rir depois, para me envergonhar, para pedir que apague, ou apenas para encontrar uns quinze anos depois entre a poeira e saber que tudo foi real e que eu ainda existo, forte e suave, verdadeira e insuficiente, para além de todas as palavras.
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Por Paula Cajaty
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