Trecho do livro > PEDRA DO SAL – UM PESCADOR E SEUS AMORES
Por Rita de Cássia Amorim Andrade
Já estava há meia semana em mar aberto. O barco pesqueiro movia-se ao ritmo das marolas, sem que os peixes viessem morder as iscas cuidadosamente preparadas pelo pescador. Siba, como era chamado pelos companheiros, ouvia a contragosto a sugestão dos parceiros — pensasse nas palavras do Messias. E, em coro, repetiam: “Lançai a rede para o lado direito do barco e havereis de encontrar”. Assim, irritado pelo cansaço que lhe enfraquecia os braços, lançou rede. Em vão. Maus presságios se apossavam dele ao ver as águas se encresparem. De repente, os ventos marinhos pareciam brigar com a embarcação. As vagas se elevavam em grande altura, com espuma branca de arrebentação. Simão Pedro se surpreendeu com os ventos fortes que geralmente só ocorriam entre agosto e novembro. O barco adernou pelo impulso do vento e das ondas. Uma corrente de ar gelado circundava a embarcação, penetrava até os ossos dos tripulantes e assombrava-os pelos silvos que a ventania emitia. Os pescadores tentavam se equilibrar agarrados aos bordos. Embora a embarcação em madeira lhes oferecesse segurança, o medo tomava conta daqueles homens. Simão Pedro se arrastou, com enorme esforço, pelo convés e se apoiou no entabuado que revestia a urna onde os flocos de gelo protegidos por isopor permaneciam vazios de peixe. Conseguiu chegar à cabine e substituir o contramestre na direção do barco. Fez a arribada forçada. Enquanto retornava à costa, pensou ter visto o pai boiando, transparente, nas águas, já então, tranquilas e lembrou-se das vezes que, ainda bem jovem, costumava retirar dos mantimentos, que o pescador levava para o mar, a pequena garrafa de cachaça ali escondida. Sentiu-se culpado por não ter sido mais atento. Expulsou os pensamentos e foi verificar em que estado se encontravam os caixotes com o feijão, a farinha, o charque, a água potável. O mar amainou-se e o sol se refletiu nas águas. O bom tempo reanimou os pescadores mais jovens. Mas havia certa relutância por parte do pescador Siba, que via na visagem do pai um vaticínio. Assim, recolheram a tralha e regressaram ao lar.
Trecho do livro: PEDRA DO SAL – UM PESCADOR E SEUS AMORES – autoria: Rita de Cássia Amorim Andrade.