O ÊXODO DA MISÉRIA – por Diva Pavesi (Outros Autores)

Postado por Rita de Cássia ligado nov 19, 2012 em Outros Autores | 0 Comentários

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O ÊXODO DA MISÉRIA

de Diva Pavesi ,
Editado na Antologia Nos Mulheres

“Todos os dias Deus nos dá um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes. O instante mágico é o momento em que um sim ou um não pode mudar toda a nossa existência.”
“Lamento as palavras serem ruins e tristes, mas o estado de espírito não… É aqui que a desilusão é um triste fato, e os sentimentos, emoções que não…”
Autores desconhecidos
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Nos últimos 21 anos, vivi em cinco países da Europa. Cada um com sua cultura e suas riquezas. Dessas diversidades, pude constatar as diferenças com o Brasil. Os maiores fatores são: educação, formação e segurança.
Uma das coisas mais importantes para a evolução do ser humano, na França, é o acesso aos estudos de altíssimo nível, todos gratuitos: do curso elementar às universidades. Uma criança, aos 10 anos, pode se tornar bilíngüe. A educação tecnológica, filosófica, cultural e esportiva faz desses pequenos seres o grande futuro desse país, reconhecido como um dos berços da cultura.
De Lisboa, a Paris, de Tókio, a Londres, de Dublin a Nice, passando por Orléans, onde vivem atualmente centenas de brasileiros na clandestinidade, pude vivenciar o fluxo do êxodo brasileiro.
O que nos difere desses países europeus?
Certamente, a desigualdade dos direitos de uma boa educação, respeito, formação e segurança.
Em 1985, vivi durante três meses no Japão. Nessa época, havia poucos brasileiros residindo na capital, possivelmente, por causa da dificuldade de adaptação. Pensei na história dos japoneses, que imigraram há um século para o Brasil, a fim de evoluírem economicamente. Hoje, com nossa crise econômica, o japonês faz o inverso: envia seus filhos e netos de volta para o Japão, incentivando-os a se estabelecerem no Império do Sol Levante.
Em 1986, quando cheguei a Portugal para ser professora da cadeira de Rádio e Televisão na Universidade de Lisboa, éramos mais ou menos mil brasileiros. Em três ou quatro anos, já superávamos os trintas mil. Dentre eles, os famosos “pára-quedistas”: pessoas sem formação, que se sujeitavam a viver no submundo; em troca de míseros “escudinhos”.
Hoje, são mais de cem mil brasileiros vivendo em Portugal, porta da Europa. Atualmente, a situação é bem diferente; já não somos mais tão bem-vindos assim. A concorrência é atroz. Muitos brasileiros ouvem diariamente a famosa frase que desestabiliza: – Volta pra tua terra, pa!
Em 1993, fui convidada pelo Presidente de Angola para cobrir a Décima Cimeira dos Palops , em São Tomé e Príncipe. Descobri que a África era a verdadeira irmã gêmea do Brasil, sobretudo no tocante às desigualdades e à precariedade no âmbito educacional.
Iniciei as entrevistas com todos os embaixadores, ministros e alguns presidentes, que, sorridentes, faziam um mesmo discurso eloqüente sobre as relações Brasil e África.
Na verdade, existia um desejo de intercâmbios entre os dois países; contudo, na prática, tudo estava por fazer. Os dois continentes endividados, sem recursos, não propiciavam oportunidades. Com a nossa hecatombe econômica, brasileiros se auto-exilaram na Europa.
E os africanos? Quantos morreram afogados, ou mortos de cansaço e fome, tentando atravessar as fronteiras da velha Europa, sonhando com um mundo mais justo e fraternal?
Questionei-me o que poderia fazer para cooperar e mudar a nossa história! A África me parecia totalmente abandonada. Senti que um jornal poderia ligar esses países africanos com o Brasil, Portugal e a França, meu novo país de adoção.
A “Lusofonia” aparecia como uma força comum, permitindo aos cinco países caminharem juntos e mais longe, utilizando o grande elo cultural para a implementação dos intercâmbios culturais, socioeconômicos que seriam, mais tarde, profícuos entre si.
Decidi criar em Paris um jornal bilíngüe Afro – Franco – Brasileiro, intitulado PALOP JORNAL, para sedimentar os laços históricos e culturais entre o Brasil e África. O objetivo desse jornal era estabelecer relações de cooperação e solidariedade entre os diferentes países que compreendiam a África lusófona e os países de língua francesa, passando por Portugal, França e Brasil.
O Palop Jornal queria ser um ator importante nessa última década, consolidando as capacidades desses países, permitindo a evolução desses povos e preparando o terceiro milênio, esperando que ele fosse mais justo e fraterno. Imigrantes brasileiros e africanos deveriam se tornar mais fortes e unidos, para que as consolidações das ações sociais, culturais e econômicas fossem mais ativas entre esses países.
Acreditava no futuro do Brasil e da África. Com o surgimento de novos políticos e estratégias, numa iminente mudança em todo o continente africano e brasileiro, não seríamos mais obrigados a abandonar a Pátria e os familiares para tentarmos um futuro na Europa. A viagem à África despertou-me e me motivou a combater essas injustiças. Constatei que pobreza é igual em qualquer parte do mundo. “Se a pobreza é a mãe dos crimes, a falta de espírito é o pai.”
Fiquei muito chocada. Certas cenas jamais desapareceram da minha memória. Uma manhã, saí para caminhar e deparei com várias mulheres que lavavam roupas no rio. Nunca me esquecerei da Maria de Luz, uma jovem de 28 anos, que aparentava quase 50. Maria era muito magra, com a boca toda desdentada e pés nus; trabalhava 10 horas por dia, lavando roupas de várias patroas para sustentar – sozinha – uma escadinha de 8 crianças.
Na hora do almoço, vi que ela tinha apenas uma banana e um pedaço de pão para comer. Fiquei revoltada. Na noite anterior, tinha estado num maravilhoso restaurante com alguns ministros, jantar de luxo, regado a champanhe, exatamente como nas boas famílias francesas.
Pensei com meus botões: “Já vi esse filme!”. O povo, sempre oprimido, sonhando com um futuro melhor. O que restava… senão sonhar? Maria, sorrindo, me disse:
- Espero que os meus filhos tenham uma vida melhor que a minha!
A miséria e a tristeza são iguais em qualquer parte do mundo. Se o sofrimento e a miséria eram pontos negativos em comum, com o Brasil, também, posso afirmar que existiam outros positivos: entre todos esses africanos de diferentes países que conheci, descobri a verdadeira hospitalidade e fraternidade. A língua nos unia. Tínhamos os mesmo anseios: ver o Brasil e África lusófona mais fortes e estáveis.
Esses versos do poeta Nil Lus, retratam perfeitamente meu estado de espírito da época: algumas vezes… de esperança e, muitas outras… de desilusões, com a realidade da miséria, injustiças e humilhações.

“E, se de repente todos caminhassem numa mesma direção.
Homens fardados, civis civilizados
Servissem ao século da iluminação!
Armas no chão, orgulho enterrado no buraco da destruição.
Meu abraço irmão realizasse a Paz e o Amor dessa união.
Mas, agora! Eu quero ver esta Paz chegando ao mundo…
Para que o caminho da vida seja a Liberdade do nosso querer
E entre o Amor e a razão possamos encontrar a verdade e o prazer
Para que a mulher seja bem-vinda no que pensar fazer
E a utopia no coração do homem seja o seu poder.
Para que as crianças governem o mundo com a sua doçura de ser
E a Paz seja dada aos que morrem com a vontade louca de viver.
Onde a fome e a guerra, o medo e a tristeza não possam vencer.
A alegria, a beleza, o pão refazer, o trabalho crescer.
Para que cada língua seja a Pátria verdadeira Luz do saber
Num planeta de forca e raça com dignidade de viver
Na esperança de um mundo inaugurar e por Deus renascer
“Uma estrela de mil pontas no céu do firmamento de vez.”

Durante dois anos refleti sobre essa viagem que me interpelou profundamente. Em 25 de Outubro de 1995, criei a ONG Franco-Brasileira Cultural e Humanitária Divine Productions, baseada na lei francesa de 1901, sem fins lucrativos.
Há 12 anos essa verdadeira guerreira da defesa e promoção dos artistas plásticos, designers, músicos e do cinema afro-brasileiro está lutando para que os franceses e os europeus possam dignificar ainda mais a nossa cultura.
Nossa missão é sensibilizar os franceses nas nossas ações culturais e humanitárias, em prol das crianças carentes brasileiras e africanas. Temos vários projetos culturais, entre eles a criação de uma biblioteca na escola onde estudei quando criança no bairro da Freguesia do Ó.
Nos últimos 10 anos, morei em Londres e Dublin, onde criei o Jornal Hello, Brazil!, para defender e difundir as artes e cultura do Brasil, África e França. Nas cidades cosmopolitas como Paris e Londres, tive a justa percepção do que significa educação, formação, cultura, respeito às diversidades, direitos de igualdades civis.
Após 21 anos vivendo na Europa, tenho a forte convicção de que a educação e a formação são bases sólidas para um futuro com dignidade e respeito, sem correr o risco de uma decisão dolorosa de se auto-exilar, achando que o futuro está na Europa.
Através do meu humilde trabalho de Presidente de uma ONG Cultural, escritora, jornalista, produtora cultural, delegada da Académie Arts Sciences Lettres e representante da REBRA – Rede de Escritoras Brasileiras, penso que estou contribuindo para o futuro do Brasil. Acredito na força que emana do nosso povo brasileiro, mas sei que ainda temos muito que fazer para merecer uma sociedade mais justa e fraternal.

A frase: LIBERTÉ, ÉGALITÉ, FRATERNITÉ ecoa em minha alma verde-amarela.

Eu estou fazendo a minha parte! E você?

Diva Pavesi

 

 

 

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