Para homenagear o DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, registro aqui pequeno trecho do meu próximo romance-ficção:
“…Nesse instante fugaz, relembro o meu jeito de menino negro, ostentando calças de linho e camisas de cambraia branca — eu e os meus irmãos —, vestimenta imposta pela minha mãe, que nos queria nobres. Não sabia ela dos risos zombeteiros que padecíamos e que transigíamos com os colegas de aula, a fim de sobreviver. Naquele ambiente escolar, tínhamos de ser os melhores. E éramos. Crescíamos convictos da nossa grandeza a sobrepujar os que nos consideravam sub-raça. Os meus irmãos eram mestres nesses dribles. Ah, Deus meu, o meu pobre ser se aniquilava diante tamanhos dissabores, enquanto o meu orgulho mascarava a voz primordial a murmurar o meu nada. Por que os espectros me surgem agora e fazem estremecer esse corpo já gasto pelos muitos sofrimentos?
A chuva se mantém em ritmo abundante. Chegou rápida e aqui se instalou numa manhã que prometia sol. Ouço a voz da minha mãe: “saia da chuva, Ricardo!” Respondo prontamente: “saio não, mamãe”. Vou até a janela e entreabro a folha de vidro. Um jato d’água faz-me recuar. Deixa-me uma mancha molhada na camisa de tricoline, bem passada. Retorno à cadeira de diretor-presidente, já não sou menino…”
Nota: A personagem masculina, Ricardo, um dia se apaixona por uma mulher loura.
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