PARA O SILÊNCIO
Não me dói a janela fechada,
o pássaro fechado, a música
tão bela
ante o verde nos meus olhos.
Não maldirei a sorte do país
no pórtico do milênio ciciante,
milhares de famintos que se sabem
roubados no salário infame
e nada fazem, nada dizem.
Mas bendirei o vento norte
quem te trouxe até a mim,
e da serra o perfume e o verdume
e meu passado já fendido,
e os olhos negros de ternura,
e a boca em zero de palavras.
Foi o silêncio quem nos consagrou
no que há de mais puro e doce,
entre o que vive e sonha.
Leve (e lindo) é o instante, irredutível
a um poema, a uma frase, um ai.
Poema eu vi na dobra do roupão
amanhecendo o corpo cor da tarde,
anunciando a noite do outro lado,
um transparente quanto a carne que arde.
Levo comigo a sensação de ter-te
em meus braços, esquecidos braços,
e a esperança da ventura ímpar
que da serra desceu com teu sorriso.
Assim, não possa maldizer a vida
nem a sorte de ser um deserdado
no amor e no jogo e nas ações.
Assim, não possa desprezar a serra,
o vento, o clima de viver, o verão…
Nem a casa, o café, a cerimônia,
nem o silêncio que entre nós se apôs.
Só no silêncio é que se guarda o ouro,
a eterna idade e a virtude do outro,
e o amor… Belo é o amor! Ilude.
Salve-se o silêncio a um, a dois.
Salvemo-nos pra sempre como sempre
na poesia que você fluiu
neste poema que eu calar não pude.
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Francisco Miguel de Moura > ANTOLOGIA – Poemas Escolhidos pelo Autor > página 60.
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1 Comentário para “PARA O SILÊNCIO – por Francisco Miguel de Moura (categoria: Outros Autores)”
Fico, como sempre, maravilhado com a capacidade de Francisco Miguel de Moura de dizer sobre a vida, de maneira tão encantadora e sutil. Lindíssimo poema!