REQUIESCAT IN PACE > falecimento de RUTH GUIMARÃES – escritora paulista (categoria: Artigos)

Postado por Rita de Cássia ligado mai 21, 2014 em Artigos / Crônicas | 2 Comentários

REQUIESCAT IN PACE


Nota de Falecimento: RUTH GUIMARÃES


A escritora faleceu em 21 de maio de 2014

Imagem ilustrativa 21.05.2014

Faleceu hoje em Cachoeira Paulista no interior do Estado de São Paulo a escritora Ruth Guimarães, mãe do nosso Presidente Joaquim Maria Guimarães Botelho.

Nós todos da UBE solidarizamos com o Joaquim Maria Guimarães Botelho e familiares.

O velório será na casa que ela tanto amou, à sombra das mangueiras, em Cachoeira Paulista.
Rua Carlos Pinto, 130

 

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O QUE É A FELICIDADE


RUTH GUIMARÃES


Que eu gosto de vagabundear, gosto. Devo ter uns toques de cigana, sei lá. Minha avó também era cigana de grande saia de folhas, oito panos à roda, estampada de rosas; e muito nos viram andando a pé uns poeirentos caminhos da Cachoeira: a sombra da Mata Cabrito, a Santa Rita, onde assistia um feiticeiro, hoje morto; a estrada de Santa Cabeça, a estrada de Canas e a do Embaú, as trilhas do Morro Vermelho e da Lagoa Seca. Dela me veio talvez o amor pelo sol e pelas estrelas. Adorávamos a água na folha nova do inhame, concha verde como uma oferenda, e amávamos os rios que corriam para longe. O saibro escorregava sob o passo, quando perseguíamos, sem jamais o alcançar, o azul das distancias.
Acontecia-nos deixar a vida para trás, e íamos não importava para onde, sem plano, sem dinheiro, a pé, na aventura, para ver não importava o que ainda não fora visto. É empolgante ouvir a música de palavras estranhas e balancear na cadencia de outros ritmos.
Essa vida é tão múltipla e tão escasso o tempo! Aí está, E quão deliciadamente ainda me vou por esses caminhos! E com que penas os desando! E é por isso que posso falar de cadeira do que há de melhor, quando se vai e se vem. Eu sei. A coisa mais linda nas viagens é voltar para casa.

Tenho procurado saber que doce mistério nos faz suspirar por esse refúgio, seja casa cheia de crianças e de amor, seja sombria e deserta, ou simples quarto de pensão, apertado e impessoal. A casa. Que magia a faz nossa e nos faz dela? O quê, nela, nos conforta e nos consola? Que há com a casa? Os surrados móveis? Novos que fossem e seriam acolhedores. As patinadas paredes? Mas pode ser moradia recente e nós lhe daremos sem regatear o nosso afeto. É, será sempre, muralha, trincheira, esconderijo, âncora, abrigo, sombra. Nela estamos bem. Nela nos entregamos ao nosso eu, sem máscara, com toda a confiança.
Da última vez que cheguei, foi com o repetido suspiro de alívio que me confiei à sovada cadeira de braços, entre paredes bem precisadas de pintura, coitadas! Havia de novo uma goteira. Deixem-me contar de outro jeito: havia uma nova goteira. Lá estava a mancha. À entrada, o degrau parece que me reconhece, estalou devagarinho, cumprimentando. O espelho também me reconheceu. Diante dele não estava a estranha de outros reflexos. Precisei de andar descalça pela casa toda, pois na sapateira, como de costume, nenhum sapato, nem novo nem velho. Estariam por aí. Depois de vasculhar com uma vassoura, embaixo das camas, encontrei dois pés direitos de chinelo.
Quimporta lá?
Aqui sou rainha, sou czar, sou Deus, e como amo esses chinelos doidos!
Então não é isso a felicidade?

Ruth Guimarães é escritora e folclorista.
Associada histórica da UBE, ocupa a cadeira número 22 da Academia Paulista de Letras.
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Nota: Reprodução “O Escritor” – UBE, Nº 124 – Abril de 2011

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Romancista, cronista, contista e tradutora. Traduziu grande parte da obra de Dostoieviski, do francês, para a Editora Cultrix. Traduziu, diretamente do latim, também para a Editora Cultrix, “O asno de ouro”, de Apuleio. Como folclorista escreveu livros como “Filhos do Medo”, sob a orientação de Mário de Andrade, e “A saga de Pedro Malazarte”. Seu romance de estreia, “Água Funda”, foi lançado em 1946, em São Paulo, no mesmo evento em que foi lançado “Sagarama”, do seu amigo Guimarães Rosa – uma nova edição está em processo de arte-finalização pela Editora 34.
Foi cronista do jornal “Folha de São Paulo” na década de 60, dividindo espaço, em dias alternados, com Carlos Heitor Cony, Padre Vasconcelos e Cecília Meirelles. Mantém coluna semanal de crônicas no jornal O Vale, de São José dos Campos.
Ocupa a cadeira número 22 da Academia Paulista de Letras desde 2008.

2 Comentários para “REQUIESCAT IN PACE > falecimento de RUTH GUIMARÃES – escritora paulista (categoria: Artigos)”

  1. Maria Aparecida de Oliveira disse em:

    Ela, maravilhosa, só poderia partir no mes de Maria, aliás ela está ajoelhada aos pés da virgem Maria. Aqui, choramos, mas, como diz a Excelência das sentinelas de velório: Avoou uma andorinha, uma andorinha voou, no céu hoje vai ter festa porque a Ruth lá chegou!”
    Um grande abraço aos familiares que nos console a Senhora da conceição!

  2. Pedro Pio disse em:

    É sempre dolorosa a notícia da morte de um ser humano. O conforto vem, em primeiro plano, das mãos de Deus. Tal conforto se confirma pela lembrança de tudo o que foi feito como ensinamentos e legado!

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