SER RESIGNADO
Por Daniel Ciarlini
Somente em uma ocasião a injustiça deixa de ferir a consciência de quem a pratica: quando por trás de todas as ações danosas não há o engano, mas um projeto. Poucos comportamentos humanos têm a sua gênese em sentimentos tão egoístas e destrutivos. Assim é a injustiça, que pode nascer da ambição, da inveja, da vaidade, da insegurança e de quem por fraqueza se deixa corromper.
Ser injusto é assistir a própria alma se esfacelar e os sentimentos de amizade e benevolência cederem aos impulsos da mentira. Sofrer uma injustiça, todavia, e manter-se resignado a ela é talvez uma das maiores sabedorias que o homem pode aprender em sua abreviada existência; não tarda ao resignado a lição de que a injustiça não é uma dor amarga para quem a sofre, mas, como nos disse Demócrito, uma infelicidade para quem a comete. Quantos sábios nos têm provado isso?
Há duas formas de se deixar ser injusto por querer. A primeira delas é permitir-se interpretar um fato ou alguém de maneira equivocada; e a outra é fabricar uma verdade que não existe, e dentro dessa verdade ludibriar-se. Ambas são cegueiras que afligem os homens, destruindo-os mutuamente.
Parte comum à evolução dos espíritos, sofrer injustiça, calúnia, e tão logo saber interpretá-las como preço que se paga ao amadurecimento, é dar prova de que a compreensão é a maior de todas as moedas em favor de si e de outrem. Os homens de espírito elevado não devem se ocupar em responder à altura aos seus caluniadores; como nos ensina o maior dos oradores espíritas do Brasil, Divaldo Franco: “Não te permitas atingir pelas farpas caluniosas que te arrojam; vive de tal forma que o caluniador fique desmoralizado por falta de provas. Cada dia é uma lição que se transforma em vida ao longo do teu caminho eterno [...] perdoa o caluniador, ele não fugirá de si mesmo”. E se não foge não é porque a vida é vingativa, mas porque é da lei universal que para cada ação nossa há uma reação – e essa reação é sempre reflexiva.
Nossos sentidos são em grande parte receptivos, o que nos prova que assim o somos por natureza – decodificamos o derredor. Ir além, ser transmissor (codificador), é uma condição distinta àqueles que optam pelos caminhos que traçam para si e para com os outros. Exalar os anseios da alma é um ato que nos exige bom senso e responsabilidade. Não é de hoje que nos apregoa a Palavra Sagrada, advinda da mais indistinta sabedoria: quem semeia a injustiça colherá a desgraça.
A injustiça, portanto, não é, ao injustiçado, um fim tormentoso e cruel, mas um meio de crescimento. Não faz outro favor o caluniador do que dar à sua vítima a possibilidade de acelerar o desenvolvimento moral, porque da calúnia e da injustiça um dia, mais cedo ou mais tarde, todos nós haveremos de experimentar – é da natureza humana o embate e o desespero, mas também a perseverança.
Cabe a nós suportar as injúrias que nos lançam imprudentemente. Ter sabedoria é ter paciência para resistir com humildade e resignação a toda e qualquer ação que nos atormenta. Não esqueçamos uma das lições que nos deixou o poeta carioca Luiz Edmundo, em “Versos a Cláudio”: “Muita vez a humildade de um regato / vale todas as glórias de um oceano”.