14 de março – DIA MUNDIAL DA POESIA
A homenagem reporta à data de nascimento do grande poeta baiano ANTONIO DE CASTRO ALVES, 14 de março de 1847.
“Era por uma dessas tardes em que o azul do céu oriental — é pálido e saudoso, em que o rumor do vento nas vergas — é monótono e cadente, e o quebro da vaga na amurada do navio — é queixoso e tétrico.
Das bandas do ocidente o sol se atufava nos mares “como um brigue em chamas…” e daquele vasto incêndio do crepúsculo alastrava-se a cabeça loura das ondas.
Além, inda mais longe… os cimos fantásticos da serra dos Órgãos embebiam-se na distância, sumiam-se, abismavam-se numa espécie de naufrágio celeste.
Só e triste, encostado à borda do navio, eu seguia com os olhos aquele esvaecimento indefinido e minha alma apegava-se à forma vacilante das montanhas — derradeiras atalaias dos meus arraiais da mocidade.
É que lá, dessas terras dos sul, para onde eu levara o fogo de todos os entusiasmos, o viço de todas as ilusões, os meus vinte anos de seiva e de mocidade, as minhas esperanças de glória e de futuro;… é que dessas terras do sul, onde eu penetrara “como o moço Rafael subindo as escadas do Vaticano”;… volvia agora silencioso e alquebrado… trazendo por única ambição — a esperança de repouso em minha pátria.
Foi então que, em face destas duas tristezas — a noite que descia dos céus, — a solidão que subia do oceano —, recordei-me de vós, ó meus amigos!
E tive pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino na terra hospitaleira, onde vagara; nem sequer a lembrança desta alma, que convosco e por vós vivera e sentira, gemera e cantara…
Ó espíritos errantes sobre a terra! Ó velas enfunadas sobre os mares!… Vós bem sabeis quanto sois efêmeros… — passageiros que vos absorveis no espaço escuro, ou no escuro esquecimento.
E quando — comediantes do infinito — vos obumbrais nos bastidores do abismo, o que resta de vós?
— Uma esteira de espumas… — flores perdidas na vasta indiferença do oceano. —Um punhado de versos… — espumas flutuantes no dorso fero da vida!…
E o que são na verdade estes meus cantos?…
Como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles são filhos da musa — este sopro do alto; do coração — este pélago da alma.
E como também o aljofre dourado das espumas reflete as opalas, rutilantes do arco-íris, eles por acaso refletiram o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo — estes signos brilhantes da aliança de Deus com a juventude!
Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas, a lágrima saudosa do marujo… possam eles, ó meus amigos! — efêmeros filhos de minh’alma — levar uma lembrança de mim às vossas plagas!
Castro Alves
Prólogo – ESPUMAS FLUTUANTES
PENSO EM TI
Eu penso em ti nas horas de tristeza
Quando rola a esperança emurchecida
Nas horas de saudade e morbideza
Ai! Só tu és minha ilusão querida
Eu penso em ti nas horas de tristeza.
Vê quanta sombra me escurece o seio!
Que palidez sombria no meu rosto!
Tu és a única luz da treva em meio
Tu és a minha estrela do sol posto…
Contigo a sombra não me tolda o seio.
Quando a teus pés o meu viver s’escoa,
Esqueço a minha sorte, o meu martírio,
Minh’alma como a pomba em sangue voa
Para ir se abrigar à tua, ó lírio,
Quando a teus pés o meu viver s’escoa…
Bendito o riso desses lábios túmidos!
Bendito o meigo olhar tão peregrino!
Como o sol abre a flor nos campos úmidos
Crenças desperta o teu olhar divino…
E o riso, o riso desses lábios túmidos
Ai! volve! volve peregrina estrela…
Minh’alma é o templo de um amor suave
À tua espera o lampadário vela…
À tua espera perfumou-se a nave…
Ai! volve! volve peregrina estrela!
*
Obs.: Julgava Afrânio Peixoto que a data destes versos era de 1868, quando o Autor já havia sido abandonado por Eugênia Câmara. A hipótese é plausível, pois tal poesia não consta da resenha do livro projetado “Dramas D’Alma” conjeturalmente anterior à ruptura de seus amores com a atriz lusitana. O tom é de ansiada expectativa, como a da “Canção do Boêmio”, escrita no mesmo ano. (Eugênio Gomes)