EM NÓS
Por Joyce Cavalccante
As iniciais são tuas, a escolha é minha. Há um homem que procura. Há uma mulher madura. Há o mundo inteiramente nosso, se nos permitirmos abraçar a nossa face divina.
Desde que fomos feitos para o exercício fundamental da vida, não há mulher que resista a ter seu corpo penteado por um olhar pleno de cobiça. Não há homem que não queira se apossar de uma moça faceira. É assim:
Como se dera um feitiço, um volume inesperado, indiscreto, dele se projeta e ela vê. Uma liquidez marítima com cheiro de querer demais, vem dela para o fora dela e ele pressente.
Almas não procuram semelhanças, aquecendo-se no desafio das diferenças. Um espaço enfunado preparando-se para abrigar uma saliência curva. Um faz o convite, o outro recusa, o outro insiste o outro admite. O jogo dos contrários, a correria, a brincadeira apressada, grades, amuradas, olhares, censura. A fuga e, enfim, o primeiro beijo vertical.
O estar querendo aumenta, o coração se dilata, os órgãos permitem a entrada. O universo se transforma em leito, aonde, despidos, os dois se deitam para se provar com antecipação: se lambem, fossem um par de gatos; se cheiram, fossem um par de cães; se olham, fossem um par de estrelas.
Se encaixam. Se acrescentam. Dançam. Ato ou processo de mover-se; deslocamento. Desvio. Repensamento. Vaivéns reiterados. Não pare, por favor. Carinhos. Balanço e barulho. Ai, meu amor. Vontade de desmaiar. Sentimento pendular. Agitação. Ondulação com sabor. Melhor do que isso, só duas vezes isso. Mais. Processo sensorial inconsciente, correlacionado com um processo fisiológico que proporciona o conhecimento de nosso mundo interno. Escuridão que tudo pode. Sonhos e palavras são recursos ilimitados.
Um segura as asas do outro, para impedir uma prematura decolagem. Necessidade, pois a noite é longa e o desejo urgente. Não tem nada melhor do que o beijo da gente. Como todo desejo, inesgotável fonte de beijos. Mais um beijo, esse agora horizontal.
Definitivamente, o amor não foi feito para os mortais.
O medo. Pois todo orgasmo traz a ameaça de sermos divididos em bandas. O medo. De aventurar-se por terras descontroladas e estranhas. Medo de cãibras. Medo do completo. Medo do perfeito. Principalmente o medo da força primordial, instintiva, vital, sempre a se devorar e a se recriar.
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© by Joyce Cavalccante
BIOGRAFIA
A escritora Joyce Cavalccante é autora de onze significativas publicações de ficção de prosa. É também a idealizadora e atual presidente da REBRA – Rede de Escritoras Brasileiras, associação que reúne mais de quatro mil mulheres em torno da palavra escrita e suas consequências.
Embora se sinta atraída superlativamente pelo sossego de seu estúdio, onde escreve seus romances de longo curso madrugada a dentro, não consegue desconhecer as dificuldades pelas quais passa a escritora brasileira, principalmente as iniciantes, quando tentam fazer sua voz ouvida e seu talento reconhecido num mercado editorial cada dia mais estreito e mais pendente ao lado e aos interesses masculinos. Foi justamente para colaborar com a solução desse problema que criou a presente associação cuja missão é divulgar a escrita das mulheres brasileiras de maneira intensa e abrangente.
Joyce é cearense. Nasceu em Fortaleza – a mais linda cidade do Brasil – e mora em São Paulo – a mais vibrante.
Atua como jornalista, romancista, contista, cronista e conferencista. Publicou onze livros individualmente, e participou de dezenove coletâneas de contos com outros autores. Tem obras traduzidas para o inglês, sueco, francês, italiano, espanhol e holandês.Contribui sistematicamente com a imprensa publicando contos, resenhas ou artigos, e já faz algum tempo, vem se dedicando a palestras sobre literatura feminina brasileira nas universidades do Brasil e do exterior.
Entre os prêmios que mereceu destaca: Prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte – de melhor ficção de 1993, por seu romance “INIMIGAS INTIMAS. Prêmio Radio France Internationale, pelo conto ”NEGUINHA”, em 2002. E ainda, em 2007, recebeu significativo prêmio concedido pela ACADEMIE DE ARTS, SCIENCES ET LETTRES da França. Prêmios são pequenos incentivos para uma grande paixão, diz.
Atualmente dedica-se a escrever a saga do povo brasileiro de origem nordestina entre os anos de 1954 ao ano de 2004: Constrói a tetralogia chamada “O CORAÇÃO DOS OUTROS NÃO É TERRA QUE SE PISE”, iniciada com os já publicados romances “INIMIGAS ÍNTIMAS” e “O CÃO CHUPANDO MANGA . Tem a literatura como um privilégio, dai tanto entusiasmo.
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Fonte: Rede de Escritoras Brasileiras-REBRA