UMA LÁGRIMA – por Rita de Cássia Amorim Andrade (Ritissima-Textos)

Postado por Rita de Cássia ligado out 17, 2012 em Ritissima-Textos | 0 Comentários

 

 

 

 

 

 

 

 

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UMA LÁGRIMA*

“Nem sempre

quem está

do outro lado da lágrima

pode chorar.”

(Álvaro Pacheco – “Dor”)

Por Rita de Cássia Amorim Andrade

Chamas incandescentes escorriam como labaredas vertidas das nuvens negras. Pontos, aqui e acolá, esfuziavam como um prenúncio de final de mundo. Um hospital militar móvel recolhia passageiros em pânico. A mulher conseguiu entrar no carro, assentou-se em um banco de couro gasto e suspirou aliviada. O veículo deu marcha, para logo parar próximo a um conglomerado de pessoas aflitas. A porta dianteira se abriu para adultos e crianças. O veículo lotou de figuras aflitas. Um jovem se espremeu entre ela e outra mulher. Não lhe via o rosto, apenas sentia o suor do braço dele molhar a sua pele. Atravessaram vales ladeados de colinas tosquiadas pelo fogo. Os viajantes mantinham silêncio absoluto, exceto pelo respirar de cada um a exauri-lhes as forças. O carro prosseguia até estacionar em uma pequena cidade abandonada.

As pessoas tomaram rumos diferentes. A mulher percebeu que o rapaz seguia na mesma direção. Chegaram a uma casa, a fachada estava desgastada pelo tempo. Não havia jardim, a porta e a janela davam para a calçada. Ambos entraram pela mesma porta, sem se falarem. A mulher seguiu corredor adentro e parou em uma sala onde havia uma imensa mesa, sem toalha. Ela viu-se, de repente, com vários livros e cadernos na mão. Intrigada com os objetos, colocou-os em cima da mesa, arrastou uma cadeira e sentou-se. Nisso, olhou o rapaz. Parecia conhecê-lo. Era alto e muito magro, moreno de cabelos cacheados e volumosos, meio despenteado. Usava calças jeans e uma camiseta de malha branca, encardida. Ele a olhava fixamente, e ela o reconheceu e se deu conta de que estava na casa dele. Rapidamente, recolheu os livros, levantou-se e lhe pediu desculpas por ter entrado na casa, sem permissão. O rapaz retirou os livros da mão dela, abraçou-a com fervor e lhe pediu perdão. O gesto despertou-lhe compaixão, e ela respondeu que já o havia perdoado. Emocionado, afastou-se dela e disse-lhe que enviaria uma mensagem explicando o que ocorrera, mas que, naquele momento, não conseguia falar. Em seguida, dirigiu-se a um grupo de parentes que acabava de chegar. A mulher seguiu rumo à porta. Mais uma vez olhava para ele, sobre o ombro, e via que ele a observava, com lágrimas nos olhos.

A mulher de ar sombrio volveu o olhar àquela figura, pela última vez. Precipitou-se porta afora e perdeu-se na névoa cinzenta, trazida pelo vento.

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* Conto inspirado em um sonho.

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