Revisor, tradutor, restaurador, não co-autores
Josélia Costandrade – ABCA RJ – Associação Brasileira de Críticos de Arte
“’Stamos em pleno mar…Doudo no espaço”. Primeiro verso da primeira estrofe do “navio negreiro”, de Castro Alves. Um revisor moderno ficaria de cabelo em pé e consertaria os “cochilos” do poeta condoreiro. Leonardo da Vinci, que era gênio e genioso, certo dia pintava um affresco em uma igreja – o que despertava a atenção de muitas pessoas. Aproximou-se um sapateiro (Scarpa), que apontou ao Mestre um pequeno defeito nos sapatos de uma das figuras da obra. Prontamente Leonardo consertou o erro. No dia seguinte, o mesmo artesão colocou-se diante da pintura e disse ao pintor que o chapéu (capelo) de uma personagem estava torto. Leonardo pegou uma vasilha cheia de tinta e despejou-a imediatamente em cima do atrevido, gritando: “não passe o sapateiro além dos sapatos”. Nem mesmo o Papa Júlio II, mecenas de Michelangelo, escapou da rebeldia e independência do grande artista, quando da pintura dos affrescos da Capela Sistina. Michelangelo fingia não escutar as sugestões do culto Pontífice e realizava o seu esplendoroso trabalho de acordo com sua inspiração mais profunda. E para as freirinhas encarregadas de segurar as vasilhas de tintas, embaixo dos andaimes, muitas vezes ele jogava sobre elas, grandes pingos de tinta azul ultramar (tinta caríssima, feita com pigmentos da pedra lápis-lázuli), em resposta à sua intromissão no trabalho do artista.
O “Concerto número 2 em mi menor opus 18 para piano e orquestra”, do compositor russo Segei Rachmanninov é aclamado em todo o mundo. No entanto, a obra magistral recebeu severas reprimendas por parte de alguns colegas do autor, que apontaram falhas infindas na obra que se tornaria um verdadeiro sucesso. Desconsolaado, Rachmanninov quase destruiu as partituras.
Ao iniciar a publicação de seu primeiro livro, uma autora contratou um revisor e, confiante, quase “teve um filho”, logo no início do texto. Ela narrava uma viagem a Paris e sua chegada ao Aeroporto Charles de Gaulle. O revisor colocara Aeroporto Charles de Gales. Charles de Gaulle menciona a França- dos gauleses, as antigas Gálias, Transalpina e Cisalpna, sobre as quais Júlio César escreveu em (“Do bello galico”). Charles de Gales é o príncipe de Gales, no Reino Unido. A autora seguiu para Buenos Aires, onde passeia na calle Belgrano; o revisor resolve por café Belgrado. No texto ela estava na rua que tem o nome de um herói nacional, não o de Belgrado, capital da antiga Iugoslávia, mesmo porque, nos governos peronistas não seria lícito homenagear o país comunista governado por Bros Tito. Seria o mesmo que dar o nome de Fidel Castro a uma rua dos Estados Unidos ou homenagear John Kennedy em qualquer local de Cuba. Como diria meu editor, no Correio Braziliense, “jornal não se desimprime”. E livro então? Melhor mesmo é contratar o autor do “Samba do crioulo doido” para revisar seu próximo livro.
*