LYGIA – Nossa Estrela – por Sônia Cintra (Outros Autores)

Postado por Rita de Cássia ligado abr 19, 2013 em Outros Autores | 0 Comentários

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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LYGIA, NOSSA ESTRELA

 

Sônia Cintra homenageia a escritora paulista Lygia Fagundes Telles em alusão ao seu aniversário de 90 anos

 

18.04.2013

 

A escritora paulista Lygia Fagundes Telles completa noventa anos neste abril. Dentre seus livros de prosa, A Disciplina do Amor, recolhe vários elementos recorrentes ao longo de sua obra, sejam eles referentes à linguagem, aos temas ou a própria estrutura textual, sua tessitura, melhor dizendo. Disseminados em páginas de romances, crônicas e contos, esses elementos são a pedra de toque para se perceber as linhas de força de sua criação literária e, ao mesmo tempo, compreender, através dos sentidos imediatos que a autora apresenta nos fragmentos que compõem o livro, a sua busca de um sentido maior da existência.

Acerca da fragmentação literária, disse a autora: “Esses fragmentos têm alguma ligação entre si?”, perguntou-me um leitor. Respondi que são “fragmentos do real e do imaginário aparentemente independentes mas há um sentimento comum costurando uns aos outros no tecido das raízes. Eu sou essa linha.” Carlos Drummond de Andrade preferiu chamá-los de miniaturas, pela delicada atenção ao detalhe, por menor que ele seja, do cotidiano, do devaneio, da vida vivida em sociedade, da vida recriada pela imaginação. O olhar de Lygia voltado à vida e ao mundo é sempre amoroso, apaixonado, de disciplina tão indisciplinada.

Sem preocupação com gênero literário, a voz narradora, às vezes em tom confessional, outras em forma de diálogo, se faz ouvir exemplarmente nesses breves textos de caráter experimental. Temas variados como a chegada de um gato na calada da noite, as lembranças de um tio suicida, a fidelidade de um cão sem dono, bem como a tipologia das neuroses humanas, a vida e a morte, a discreta presença de Deus, a própria literatura, entres outros, são abordados pela autora com a brevidade e a minúcia que lhe são características.

Dos referidos elementos, a preocupação com o incentivo à leitura e à escrita está evidente em alguns fragmentos, como, por exemplo, Histórias e A Criação Literária, nos quais são evocados Gustave Flaubert e Machado de Assis, que cresceram acostumados a ouvir histórias contadas pelo pai e pela madrinha: “Achille-Cléophas, pai de Gustave Flaubert, reunia os filhos todas as noites para contar-lhe histórias, podiam desabar os maiores imprevistos mas a hora mágica era preservada. A dura infância de Machado de Assis era doce quando a madrinha contava suas histórias”.O efeito maior de crescer ouvindo historias, ela pondera, é “O imaginário se desenrolando como uma fita cintilante”, e prossegue com sua reflexão crítica: “As crianças não sabem mais inventar?”

Quanto à criação literária, Lygia indaga: “O preço da criação literária seria mesmo o sofrimento?” E, após citar a própria experiência, lembra que “nos instantes mais agudos das minhas atribulações eu não consegui escrever uma só palavra”, declarando em seguida não saber dizer se os frutos colhidos mais tarde (alguns até doces) teriam vindo dessa “figueira-brava”, isto é, o sofrimento. Entretanto, deixa claro seu comprometimento, quando afirma, mais adiante, em O Escritor e o Leitor: “Diante de si mesmo, diante do papel o escritor se sente grande porque sua tarefa é digna.” Ao se incluir entre os escritores, ela ergue sua voz com um voto de solidariedade à categoria, elevando a importância do papel social da literatura.

Vencedor do Jabuti e do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, o livro A disciplina do amor, pertence ao conjunto de obras literárias de uma escritora brasileira estelar, reconhecida no Brasil e no mundo. Em 1998, Lygia Fagundes Telles foi condecorada pelo governo francês com a Ordem das Artes e das Letras. Recebeu o prêmio Camões (2005), distinção maior em língua portuguesa, pelo conjunto da obra, que considera de natureza engajada, publicada em diversos países. É membro das Academias Brasileira e Paulista de Letras. Senhora absoluta das técnicas narrativas, Lygia traz na pena, felizmente, a disciplina indisciplinada do escritor. Viva Lygia, nossa Estrela!

 

Sônia Cintra

 

 

Fonte: UBE

 

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